segunda-feira, 26 de março de 2007

Luz [1]

Tantas foram as vezes que fez aquele caminho que quase podia dar nomes às pedras por onde passa. Hoje, no entanto, tudo lhe parece diferente. Não reconhece as árvores e o vento traz um odor diferente. Entardece. Sempre gostou do crepúsculo. Caminha sem pressa. Procura ocupar a mente mas o som dos passos, no caminho de terra batida, só lhe traz o vazio. Vazio de pensamentos. Vazio de emoções. Vazio. Só vazio. Tão vazio que se vê obrigado a forçar uma memória. O rosto. Não o dela. O olhar. Não o dela. A voz. Não a dela. Tanto tempo no consultório e só recorda uma frase: “O tumor é maligno”. A seguir a dor. A dor da certeza. A dor da dúvida. A dor. A sua dor. Não a dela. A dela não. A dela nunca. Não é só a dor. É o sofrimento. O seu. Não o dela. O dela não. O dela nunca. O sofrimento agora. O seu. O dela não. O dela nunca. Acelera o passo. Não tem pressa mas não se quer atrasar. Não o faz por si. Fá-lo por ela. Ela será ainda feliz. Ele já não. Já não pode. Já não quer. Já é tarde. Não se pode atrasar. Nunca se atrasou.
Determinado descalça-se. Arruma os sapatos. Direitos. Lado a lado. Sempre arrumou aprumadamente os sapatos depois de os descalçar. Hoje não é diferente. Depois de a beijar, pousa cuidadosamente a aliança na borda. Sobe com alguma dificuldade para cima desta. Observa o reflexo da sua imagem no fundo. Não pensa em nada. O vazio. Outra vez o vazio. Ele, o poço e o vazio. Ela. Quer pensar nela. O seu rosto. O seu olhar. A sua voz. É ela, a Luz. Também a sua luz. O vazio enche-se de medo. Enche-se de horror. Enche-se de dor. De medo. De horror. De dor. Nada. Outra vez nada. Finalmente o vazio.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Ele...

e eu... Nós!

sexta-feira, 16 de março de 2007

O Estimador

Provavelmente vou começar a postar com menos frequência. Valores mais altos se levantam.

Há uns anos atrás, eu perguntava: O que é a Tese?



Hoje pergunto: O que vou comer sem ela?



Fotos daqui.

segunda-feira, 12 de março de 2007

Passeio matinal

foto de PR


O sol quente da manhã convida-me a prolongar o passeio matinal para além do habitual. Há mais pessoas na rua. Talvez por ser fim-de-semana. Talvez por estar bom tempo. Talvez por se aproximar o Verão e as gordurinhas acumuladas nos últimos meses incomodarem, hoje mais que ontem, ao sobressaírem na camisola fina, vestida tendo em conta o dia ameno.
Os velhinhos são os mesmos. Sorrio-lhes. Retribuem com um “Bom dia, menina.”
Continuo a marcha com um desinteresse, aparente, ao movimento.

Observo o mar. Sempre lá, longe dos transeuntes, indiferente às mudanças sucessivas da paisagem nos últimos tempos. Descubro os surfistas. Pontos negros harmoniosamente envolvidos na espuma branca do mar. Será que a água está fria? Sou tentada a descer à praia. Verifico que uma qualquer maré viva levou consigo a escada de acesso. Fico presa no paredão. Não me apetece aventurar-me pelos enormes pedregulhos. Sento-me. Fecho os olhos. Inspiro o ar fresco. Sou invadida por uma enorme sensação de bem-estar.

Apetece-me, de repente, um café. Está na altura de regressar.



Citações:
(…)
olhar o céu e ver mais que azulado
esse ar que ainda respiro, esse ar imundo
por quantos que me ignoram respirado;

porque não espero, espero contentado.

(Jorge de Sena)

quinta-feira, 8 de março de 2007

8 de Março

foto de NRP

segunda-feira, 5 de março de 2007

O baú da memória [2] - (Des)Ilusões

São as pessoas que amamos que mais facilidade têm em desiludir-nos. É às pessoas que amamos que, com maior facilidade, desiludimos.

Só nos desilude quem nos cria ilusões. Só desiludimos a quem criamos ilusões.

Se a ilusão é uma coisa que não existe, porque nos desiludimos?

E a propósito de tudo isto e do post anterior, fui ao baú da memória buscar um livro que marcou a minha adolescência. Um livro sobre a capacidade que um homem tem em acreditar, em ter fé, que pode fazer o que quiser e ser o que quiser. Ilusões, de Richard Bach.

Citações:
"Todas as pessoas, todos os acontecimentos da tua vida estão lá porque tu os levaste para lá. O que decidires fazer com eles depende unicamente de ti." – Richard Bach

O baú da memória [1]

(Fri - Macau(1976))

Nos últimos tempos, e por razões várias, tenho tido reencontros comigo mesma. Não foram poucas as vezes que me cotejei em discussões familiares por não me lembrar deste ou daquele episódio. Achei que tinha criado, por defesa, um sistema de filtragem na minha mente para apagar o que, provavelmente, não seria absolutamente necessário para a minha sobrevivência. Há coisas de que nunca falo, há coisa de que não quero falar, há coisas que recordo vagamente e outras há que não recordo em absoluto.

O meu pai resolveu digitalizar toda a memória fotográfica da família. Presenteia-me, de quando em vez, via e-mail, com essas vivências esquecidas. Curiosamente sou assaltada por flashes de uma vida quase desconhecida, de tão perdida que estava no espaço da memória. Descobri que possuía um baú de memória do qual, por contingências da vida, tinha perdido a chave (ou o paradeiro do baú? …).

quinta-feira, 1 de março de 2007

Endividamento

Não sendo um tema novo é, sempre, nos tempos que correm, actual. Tenho-o mantido na gaveta, apesar de já o ter abordado noutros pedaços. Ontem á noite, depois de ler o post do meu amigo Nuno, do NUnoAR, apeteceu-me falar dele, do endividamento. Do meu, do teu, do nosso, do vosso, do deles. De todos. Somos, de facto, um país de endividados, de sobreendividados, de insolubilidade crónica.

Todos os dias e, de forma crescente, chegam novos casos ao Gabinete de Orientação ao Endividamento dos Consumidores (GOEC). Seria um bom sinal se, efectivamente, lá fossem para aquilo que o gabinete foi constituído, para a orientação (antes do…) ao endividamento. Mas não. Sendo este um país onde todos somos doutores, engenheiros e arquitectos, independentemente da instrução que tenhamos, para que nos havemos de informar se sabemos tudo?

Não sabemos fazer contas? Ora essa!... Já quando era pequena, ajudava a minha avó na mercearia, era eu que fazia a contabilidade do estabelecimento, agora não sei gerir a minha própria família?

É tão fácil obter dinheiro. Basta um telefonema e já está. Passados meia dúzia de meses, e quando já se está em fase de incumprimento, a culpa é do governo que não legisla o acesso ao crédito.

Só facilitismos, só facilitismos, e agora? Agora só ganho 500 euros por mês, posso lá pagar 450 de crédito!

É fundamental avaliar a vantagem, ou urgência, em antecipar o consumo através de um crédito sobre a realização de uma poupança para aquisição de determinado bem. Sobretudo é preciso educar financeiramente as famílias.

Enquanto não percebermos que a maior riqueza que podemos ter é aquela que a nossa instrução nos dá, não vamos longe. A outra, a riqueza económica, financeira, vem atrás com toda a certeza. Não tenho dúvidas disso.