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quinta-feira, 10 de maio de 2007

O cheiro da minha infância

Não tenho a mania dos cheiros mas tenho um olfacto apurado. É, no entanto, um olfacto instantâneo. Um olfacto sem memória. O cheiro passa passado o momento. A Ana não é assim. Cheira tudo. Pior, reconhece os cheiros, identifica os momentos. É incapaz de pegar numa coisa sem investigar que odor exala. Quando vamos juntas às compras observo-a a cheirar as roupas antes de as experimentar. É como se quisesse seleccioná-las primeiro pelo olor. Terá a Ana noção do número de pessoas que manuseiam as roupas?...

Considerei a Ana exemplar único até conhecer a Fátima. A Fátima é a versão aperfeiçoada da Ana. A Fátima não precisa de encostar o nariz às coisas. Detecta a essência a uma distância razoável. É como se tudo tresandasse.

Eu não memorizo cheiros. Guardo imagens, mas não cheiros. Procuro, desesperadamente, um cheiro de infância e não encontro. Será uma vida sem essência apanágio de uma infância inolente?

Quero recordar o fedor das goiabas esborrachadas (pela queda) no chão do quintal, a fetidez a cachorro quente, depois de um banho, com champô anti-carraças, na banheira lá de casa. Quero lembrar o cheiro dos livros novinhos, a estrear, no início do ano-lectivo, ou dos lápis de cor acabados de afiar. Quero buscar o cheiro inebriante dos foguetes, do fogo de artifício, ou dos panchões no Ano Novo Chinês; as fragrâncias anestesiantes dos pivetes a arderem nos templos chineses ou o cheiro nauseabundo do peixe a secar no Porto Interior. Preciso do perfume, encantador, da castanha assada no Inverno, da fedentina emanada pela sardinha nas feiras de Verão, do bedum dos wantan fritos, embrulhados em folha de jornal, vendidos numa bicicleta com atrelado, numa imundice extrema, à porta da Escola.

Quero lembrar-me do cheiro da vacaria do meu avô, do enjoativo odor do leite acabado de mungir. Quero lembrar-me do cheiro da minha avó, do cheiro do amor. Quero de volta o cheiro da minha infância.

segunda-feira, 5 de março de 2007

O baú da memória [2] - (Des)Ilusões

São as pessoas que amamos que mais facilidade têm em desiludir-nos. É às pessoas que amamos que, com maior facilidade, desiludimos.

Só nos desilude quem nos cria ilusões. Só desiludimos a quem criamos ilusões.

Se a ilusão é uma coisa que não existe, porque nos desiludimos?

E a propósito de tudo isto e do post anterior, fui ao baú da memória buscar um livro que marcou a minha adolescência. Um livro sobre a capacidade que um homem tem em acreditar, em ter fé, que pode fazer o que quiser e ser o que quiser. Ilusões, de Richard Bach.

Citações:
"Todas as pessoas, todos os acontecimentos da tua vida estão lá porque tu os levaste para lá. O que decidires fazer com eles depende unicamente de ti." – Richard Bach

O baú da memória [1]

(Fri - Macau(1976))

Nos últimos tempos, e por razões várias, tenho tido reencontros comigo mesma. Não foram poucas as vezes que me cotejei em discussões familiares por não me lembrar deste ou daquele episódio. Achei que tinha criado, por defesa, um sistema de filtragem na minha mente para apagar o que, provavelmente, não seria absolutamente necessário para a minha sobrevivência. Há coisas de que nunca falo, há coisa de que não quero falar, há coisas que recordo vagamente e outras há que não recordo em absoluto.

O meu pai resolveu digitalizar toda a memória fotográfica da família. Presenteia-me, de quando em vez, via e-mail, com essas vivências esquecidas. Curiosamente sou assaltada por flashes de uma vida quase desconhecida, de tão perdida que estava no espaço da memória. Descobri que possuía um baú de memória do qual, por contingências da vida, tinha perdido a chave (ou o paradeiro do baú? …).