quarta-feira, 25 de julho de 2007

Encontro [2]

Quando abre os olhos apercebe-se instintivamente de que Mariana já não está na cama. Senta-se. Passa os dedos pelo cabelo. Puxa-os. Numa suspensão interminável revê a noite anterior. A saia plissada que ondulava graciosamente nas suas pernas. O corpo esbelto que, inexplicavelmente, parecia só agora reparar. A elegância dos gestos. A emoção ao vê-la sorrir. Os olhos, castanhos brilhantes, que lhe sorriam libidinosamente. As palavras não proferidas mas deveras esclarecedoras.
Pergunta a si próprio se todas as relações têm momentos como aquele. Momentos em que cada um tem plena consciência das necessidades do outro. Nem um passo a mais ou a menos. Sente-se exposto. Deita-se. Que sentimentos perduram ainda? Porque não está Mariana deitada a seu lado?

Encontro [1]

De olhos postos no tecto do quarto, deitada na cama, belisca-se. É muito mais que um acto de imaturidade ou vulnerabilidade. É um sinal claro da confusão que vai na sua cabeça.
Conhece Luís há 20 anos. São amigos. Amigos. Só amigos. Simplesmente amigos. Porquê agora?
Do Luís nunca esperou senão segurança. Conforto, vá. Que sentimento inconsequente é este?
Olha-o. Julga-o profundamente adormecido e decide passar-lhe a mão no rosto, sob o pretexto de lhe afastar uma madeixa da testa. Apercebe-se de como sempre gostou do seu cabelo desgrenhado. Estremece. Ainda de desejo. Réplica dos momentos vividos. Dos sentimentos que há muito não partilhava.
Deitada, agora sob o cotovelo, a esboroar-se por dentro, percebe como a sua ausência lhe doía. Na aparente neutralidade dos seus gestos, um bater do coração. Levanta-se. Vacilante veste a camisa de Luís perdida no chão.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Progresso ou fantasia?

Todo o progresso é sempre um distanciamento de alguma coisa.

Maria Montessori – médica e pedagoga italiana (1870-1952)



Como em todas as frases "feitas", o contexto é o que lhe quisermos dar. Distanciei-me quando comecei a tropeçar nas palavras. Faço agora pequenas aproximações. Talvez volte a dançar*.



*Era uma vez uma centopeia que com as suas pernas era muito boa a dançar. Quando dançava, os animais reuniam-se no bosque para a admirar e todos estavam muito impressionados pela sua habilidade. Só um animal não podia suportar que a centopeia dançasse, um sapo...
(...)
Escreveu uma carta à centopeia: “Ó incomparável centopeia! Sou um devoto admirador da tua requintada dança. Gostaria de saber como te moves a dançar. Levantas primeiro a perna esquerda número 22 e depois a direita número 59? Ou começas por levantar a tua perna direita número 26 antes de levantares a tua perna esquerda número 44? Aguardo ansiosamente uma resposta tua. Saudações cordiais, o sapo.”
(...)
Quando a centopeia recebeu a esta carta, reflectiu pela primeira vez na sua vida no que fazia quando dançava. Que perna movia em primeiro lugar? E que perna vinha a seguir?
A centopeia não voltou a dançar. Foi o fim.
É justamente isso que pode suceder quando a fantasia é sufocada pela razão.

Jostein Gaarder em “ O Mundo de Sofia”.