segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Grito



A ideia por trás da reciclagem é a de poupar recursos naturais reutilizando matérias que, por sua vez, após utilizadas uma vez, e de bem cumprir a sua tarefa, passam a ser nocivos à natureza.

Felizmente os meus filhos já nasceram numa era em que a separação dos resíduos domésticos é tão natural como beber água. O que não consigo é explicar-lhes porque as pessoas não cumprem exemplarmente as suas tarefas. Também não consigo explicar-lhes como uma câmara municipal, tradicionalmente de esquerda, tradicionalmente coligada com o partido “os verdes”, permite que situações como esta se repitam no seu concelho.


quarta-feira, 25 de julho de 2007

Encontro [2]

Quando abre os olhos apercebe-se instintivamente de que Mariana já não está na cama. Senta-se. Passa os dedos pelo cabelo. Puxa-os. Numa suspensão interminável revê a noite anterior. A saia plissada que ondulava graciosamente nas suas pernas. O corpo esbelto que, inexplicavelmente, parecia só agora reparar. A elegância dos gestos. A emoção ao vê-la sorrir. Os olhos, castanhos brilhantes, que lhe sorriam libidinosamente. As palavras não proferidas mas deveras esclarecedoras.
Pergunta a si próprio se todas as relações têm momentos como aquele. Momentos em que cada um tem plena consciência das necessidades do outro. Nem um passo a mais ou a menos. Sente-se exposto. Deita-se. Que sentimentos perduram ainda? Porque não está Mariana deitada a seu lado?

Encontro [1]

De olhos postos no tecto do quarto, deitada na cama, belisca-se. É muito mais que um acto de imaturidade ou vulnerabilidade. É um sinal claro da confusão que vai na sua cabeça.
Conhece Luís há 20 anos. São amigos. Amigos. Só amigos. Simplesmente amigos. Porquê agora?
Do Luís nunca esperou senão segurança. Conforto, vá. Que sentimento inconsequente é este?
Olha-o. Julga-o profundamente adormecido e decide passar-lhe a mão no rosto, sob o pretexto de lhe afastar uma madeixa da testa. Apercebe-se de como sempre gostou do seu cabelo desgrenhado. Estremece. Ainda de desejo. Réplica dos momentos vividos. Dos sentimentos que há muito não partilhava.
Deitada, agora sob o cotovelo, a esboroar-se por dentro, percebe como a sua ausência lhe doía. Na aparente neutralidade dos seus gestos, um bater do coração. Levanta-se. Vacilante veste a camisa de Luís perdida no chão.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Progresso ou fantasia?

Todo o progresso é sempre um distanciamento de alguma coisa.

Maria Montessori – médica e pedagoga italiana (1870-1952)



Como em todas as frases "feitas", o contexto é o que lhe quisermos dar. Distanciei-me quando comecei a tropeçar nas palavras. Faço agora pequenas aproximações. Talvez volte a dançar*.



*Era uma vez uma centopeia que com as suas pernas era muito boa a dançar. Quando dançava, os animais reuniam-se no bosque para a admirar e todos estavam muito impressionados pela sua habilidade. Só um animal não podia suportar que a centopeia dançasse, um sapo...
(...)
Escreveu uma carta à centopeia: “Ó incomparável centopeia! Sou um devoto admirador da tua requintada dança. Gostaria de saber como te moves a dançar. Levantas primeiro a perna esquerda número 22 e depois a direita número 59? Ou começas por levantar a tua perna direita número 26 antes de levantares a tua perna esquerda número 44? Aguardo ansiosamente uma resposta tua. Saudações cordiais, o sapo.”
(...)
Quando a centopeia recebeu a esta carta, reflectiu pela primeira vez na sua vida no que fazia quando dançava. Que perna movia em primeiro lugar? E que perna vinha a seguir?
A centopeia não voltou a dançar. Foi o fim.
É justamente isso que pode suceder quando a fantasia é sufocada pela razão.

Jostein Gaarder em “ O Mundo de Sofia”.



sexta-feira, 8 de junho de 2007

Inquietação

A contas com o bem que tu me fazes
A contas com o mal por que passei
Com tantas guerras que travei
Já não sei fazer as pazes

São flores aos milhões entre ruínas
Meu peito feito campo de batalha
Cada alvorada que me ensinas
Oiro em pó que o vento espalha

Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Ensinas-me fazer tantas perguntas
Na volta das respostas que eu trazia
Quantas promessas eu faria
Se as cumprisse todas juntas

Não largues esta mão no torvelinho
Pois falta sempre pouco para chegar
Eu não meti o barco ao mar
Pra ficar pelo caminho

Cá dentro inqueitação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Cá dentro inqueitação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Mas sei
É que não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda

(José Mário Branco)

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Meme

Dali, da parede do hall de entrada do edifício, observa-me todos os dias. Imponente, acusa-me, defende-me, reduz-me à minha humilde condição humana: Errare humanum est.
Odeio-a! (aponta-mos).
Amo-a! (permite-me corrigi-los).
Ignoro-a. Deixo-a seduzir-me. Diariamente. Irremediavelmente. Infinitamente.


Se não receio o erro, é porque estou sempre pronto a corrigi-lo.
Bento Jesus Caraça, Matemático


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Desafiada pela Pipocas e Carochas, deixo-vos o meu meme e passo a bola aos seguintes (são livres de aceitarem ou não o desafio, mas garanto-vos que pode ser divertido):

NUnoAR - para arejar

Mariíta - para conformar

Luis - para descomplicar

Tony - para descontrair

Ana - para adocicar (mais)

Lois - para filosofar (pode ser depois de férias)

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Adeus

foto de NRP


Uma lágrima por te sentir sofrer e por te ver partir da blogosfera . Amigo de além-mar.

O rapaz do neurónio*

Habituei-me ao Rapaz (chamemos-lhe assim, como se de um nome próprio se tratasse) com demasiada facilidade. Na verdade acho-lhe graça. Para ele todos são “Professor” ou “Professora”, conforme se encaixe na natureza masculina ou feminina: o porteiro, o motorista, a secretária, o técnico, a empregada da limpeza, os engenheiros, os doutores e os que o são de facto - professores - uma minoria. A única condição que impõe para tal tratamento é que sejam mais velhos (o que passa a ser deveras interessante quando sabemos que (só) tem 22 anos). Lá calha aparecerem umas caras mais novas. O sorriso rasga-se e o tratamento passa a informal: “Queres a meia-de-leite mais escura ou mais clarinha?”. A pergunta, perfeitamente desnecessária dado que a tira sempre da mesma maneira, serve simplesmente o propósito do tratamento tu-cá-tu-lá. Estou sempre à espera que apareça uma menina que, não sendo ainda professora, não ache graça àquelas "liberdades".

Invariavelmente, entre as 18h e as 18h30m subo, até ao bar, para um café. Quando vou não tenho pressa. Se a tenho, sei que é melhor não ir. Para o Rapaz não há stresses, a velocidade é sempre a mesma. Se tem dez clientes atende um de cada vez. É uma receita básica, elementar. Se os dez querem café, só café, basta-lhes aguardar que o Rapaz repita vez, após vez, após vez, o mesmo procedimento: vazar a borra na respectiva gaveta, com 2 ou 3 pancadas (um barulho que me enerva sobremaneira), encher o recipiente com café novo, tirar a bica, servir, receber o dinheiro, fazer o troco (é bom que hajam trocos na máquina porque entre o pedir 5 cêntimos para “facilitar”, recebê-los e devolver a diferença a coisa pode durar, durar, durar) e passar ao cliente seguinte.



*McCulloch e Pitts escreveram:
A lei de tudo-ou-nada da actividade nervosa é suficiente para assegurar que a actividade de um neurónio pode ser denotada por uma proposição. As relações fisiológicas que existem entre actividades nervosas correspondem, então, às relações entre proposições, isto é, uma rede de conexões entre proposições simples pode originar proposições complexas.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Um homenagem - seja lá isso o que for...

“O meu pai morreu na Guiné”. Ali, na escola do Alfeite, não era invulgar ter um amigo órfão de pai. A morte era, no entanto, uma coisa que acontecia longe, no Ultramar - fosse lá isso onde fosse… Mas ali, no recreio da escola, tentava-se, de todas as formas, encurtar a distância que separava as crianças da guerra. Vêm-lhe à memória canções antigas:

Que levas na garrafinha?
Que levas no alguidar?
Saudades do meu Zequinha,
Que vai para a guerra ser militar.

Que levas na garrafinha?
Que levas no garrafão?
Saudades do meu Zequinha,
Que vai para a guerra ser capitão.

Que levas na garrafinha?
Que levas que tão bem cheira?
Saudades do meu Zequinha,
Que vai para a guerra segunda-feira.


O pai de Rui voltou, felizmente, inteiro e sem aparentes sequelas. Assim, Rui só conheceu a dor da morte quando, aos doze anos, esta lhe levou a melhor amiga, com um cancro nos ovários. Rui não sabia o que eram os ovários mas teve, nesse dia 1 de Junho, a certeza de que eram coisas muito más. Passou a atribuir à morte o rosto dos ovários - fossem lá isso o que quer que fossem. A amiga era, por ventura, a melhor pessoa que Rui conhecia. E também a mais bonita. Ela tinha um irmão no Ultramar. Costumava escrever-lhe aerogramas. Todos os meses Cristina esperava, impaciente, pelo carteiro, o portador de fantásticas aventuras e mimos imensos. Os carinhos expressos, à pressa, no aerograma eram o motivo da ciumeira desmesurada sentida pelo Rui. Sentada na escada de acesso ao prédio onde residia, rodeada pelos amigos que com ela brincavam na rua, Cristina lia pausadamente, saboreando cada palavra escrita no aerograma. Enquanto a ouvia Rui vagueava pelos matos de África de camuflado vestido e arma ao ombro. Imaginava-se a escrever-lhe cartas de Amor e a aparecer na televisão, pelo Natal, a desejar-lhe Bom Natal e Próspero Ano Novo - significasse Próspero o que quer que significasse… Ah, como ele detestava aquelas tertúlias “aerogramicas”! Cristina, por sua vez, adorava a curiosidade que o irmão despertava nas amigas, o interesse pela guerra manifestado nos rapazes e, sobretudo, a atenção privilegiada uma vez por mês. Rui gostava de ver Cristina bem, mas quando era ele o causador desse estado. Quando a morte veio buscar Cristina deixou o coração de Rui envenenado de ódio. Não lhe viu o rosto. Não o deixaram ver Cristina morta. Veio-lhe à memória outra canção antiga. Uma que deixava sempre os olhos dela pejados de lágrimas:

Que fazes aí criança,
Sentada nesse penedo?
Quero ir ao cemitério,
Mas sozinha tenho medo.

Tu já não tens pai nem mãe,
Criança tão pequenina?
Eu não tenho pai nem mãe,
Vivo neste mundo sozinha.


Com a chegada do 25 de Abril e, com ele, o fim da guerra, Rui achou que a morte não mais o visitaria. Quando completou 14 anos esta veio buscar-lhe o avô. O avô partiu sem que dele se pudesse despedir condignamente. Não viu o rosto da morte prematura de Cristina. Não viu o rosto da morte natural do avô. Nunca vira o rosto da morte. Até hoje. Hoje viu o rosto da morte decadente, da velhice abandonada, da doença não assistida. A imagem da morte, de cujo cenário sempre escapou, é-lhe apresentada não como um encontro natural e espontâneo com a vida, ou com o fim desta, mas como o pináculo do horror. Lembrou-se de África. Lembrou-se de Cristina. Passados 30 anos o coração encheu-se novamente de ódio. Fez uma jura. Quando morrer quero estar tranquilo - seja lá isso o que for…

(ao meu padrinho)

segunda-feira, 14 de maio de 2007

A raiz da pele

foto de NRP




Guardo na raiz da pele

os gritos, as emoções,

os desesperos, os medos,

a raiva, o ódio, a perfídia,

os sonhos, as frustrações,

as cicatrizes das feridas

que a vida em mim foi abrindo,

os mistérios, os segredos.



Guardo na raiz da pele

a verdade do que sou.

Deixo que à flor da pele

emirja a máscara, o sorriso,

o jogo de gato-e-rato

onde, estando, nunca estou.



Guilherme de Melo



quinta-feira, 10 de maio de 2007

O cheiro da minha infância

Não tenho a mania dos cheiros mas tenho um olfacto apurado. É, no entanto, um olfacto instantâneo. Um olfacto sem memória. O cheiro passa passado o momento. A Ana não é assim. Cheira tudo. Pior, reconhece os cheiros, identifica os momentos. É incapaz de pegar numa coisa sem investigar que odor exala. Quando vamos juntas às compras observo-a a cheirar as roupas antes de as experimentar. É como se quisesse seleccioná-las primeiro pelo olor. Terá a Ana noção do número de pessoas que manuseiam as roupas?...

Considerei a Ana exemplar único até conhecer a Fátima. A Fátima é a versão aperfeiçoada da Ana. A Fátima não precisa de encostar o nariz às coisas. Detecta a essência a uma distância razoável. É como se tudo tresandasse.

Eu não memorizo cheiros. Guardo imagens, mas não cheiros. Procuro, desesperadamente, um cheiro de infância e não encontro. Será uma vida sem essência apanágio de uma infância inolente?

Quero recordar o fedor das goiabas esborrachadas (pela queda) no chão do quintal, a fetidez a cachorro quente, depois de um banho, com champô anti-carraças, na banheira lá de casa. Quero lembrar o cheiro dos livros novinhos, a estrear, no início do ano-lectivo, ou dos lápis de cor acabados de afiar. Quero buscar o cheiro inebriante dos foguetes, do fogo de artifício, ou dos panchões no Ano Novo Chinês; as fragrâncias anestesiantes dos pivetes a arderem nos templos chineses ou o cheiro nauseabundo do peixe a secar no Porto Interior. Preciso do perfume, encantador, da castanha assada no Inverno, da fedentina emanada pela sardinha nas feiras de Verão, do bedum dos wantan fritos, embrulhados em folha de jornal, vendidos numa bicicleta com atrelado, numa imundice extrema, à porta da Escola.

Quero lembrar-me do cheiro da vacaria do meu avô, do enjoativo odor do leite acabado de mungir. Quero lembrar-me do cheiro da minha avó, do cheiro do amor. Quero de volta o cheiro da minha infância.

terça-feira, 8 de maio de 2007

O Pi e as suas maravilhas...



Com o propósito de tirar uma dúvida a um amigo Geocacher mergulhei, uma vez mais, no mundo fascinante do π (pi). E se, dois posts abaixo, eu apregoava que a vida era feita de momentos, agora a tese fica provada.

π é um número irracional, isto é, não pode ser expresso como a razão entre dois números inteiros naturais. A irracionalidade de π foi demonstrada em 1761 por Johann Heinrich Lambert. Além de irracional, π é um número transcendente, o que foi provado por Ferdinand Lindemann em 1882. Isso significa que não existe um polinómio com coeficientes inteiros ou racionais do qual π seja uma raiz. Como resultado disso, é impossível exprimir π com um número finito de números inteiros, de fracções racionais ou suas raízes.
A transcendência de π estabelece a impossibilidade de se resolver o problema da quadratura do círculo: é impossível construir, somente com uma régua e um compasso, um quadrado cuja área seja rigorosamente igual à área de uma determinada circunferência. -
in Wikipédia.


O primeiro grande encontro que tive com π foi, precisamente, num trabalho realizado para uma cadeira da Faculdade, Aspectos Fundamentais da Matemática, onde apresentei um trabalho sobre a quadratura do círculo (ou a impossibilidade dela).

O segundo encontro ocorreu no primeiro ano que dei aulas. Com apenas 23 anitos, fui colocada numa escola que servia miúdos de um nível sócio-cultural e económico muito baixo. A Matemática era, portanto, aquela disciplina para a qual (palavras deles) “nem valia a pena olhar”. Ainda assim, não faltavam muito. Eram insuportavelmente indisciplinados. Sem experiência, quase desesperava com eles. (Fica aqui a ressalva de que sabiam ser uns doces, quando queriam).

Quando me apercebi de que tinha de lhes introduzir o número π resolvi fazer uma experiência e levei-os para a rua (leia-se recreio da escola). Fomos todos descobrir o π.
Canteiros redondos, bancos redondos, tudo que encontrassem com uma circunferência (até foram à cozinha buscar pratos e copos...). A coisa pegou e, de quando em vez, fazíamos uma aula de rua. Falei com o Delegado de Grupo e resolvi apostar nas mini-fichas, comprometendo-me a passá-los se cumprissem um objectivo mínimo. Acederam, desde que pudessem ter as tais aulas na rua. A fórmula consistia em dar a matéria e 15 minutos antes de saírem faziam uma mini-ficha com o que tinham acabado de aprender (obviamente que não era diário). Obrigava-os a estar com atenção. Já se faziam apostas sobre quem seria ou não capaz de passar a Matemática. E tudo isto provocado pelo π.

O π sempre me encantou e, anos mais tarde, uma colega de Faculdade ofereceu-me “O Encanto do Pi”, onde pude descobrir algumas histórias fantásticas.




Ficam os momentos e fica o convite para uma viagem ao interior do pi.

Divirtam-se.


( nota: Se carregarem em cima da figura têm som! ;) )

domingo, 6 de maio de 2007

Ela...

e eu... Nós!

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Quarteto Be Jazz




(tocaram esta)




A vida é feita de momentos. Era bom que pudéssemos deitar fora os maus e reservar os bons. Não é o que acontece, na maior parte das vezes. Ontem vivi um bom momento. Um daqueles momentos que nos deixa estupidamente feliz. Por natureza vivo a alegria dos outros como se fosse a minha. (Também vivo as tristezas…).

Durante a minha vida de professora fiz, entre os alunos, alguns amigos. São amizades que ficam para a vida. Ontem, uma amiga, que um dia foi minha aluna, estreou-se publicamente como cantora de Jazz. No Cabana beach Bar, na Fonte da Telha, fui vê-la actuar. O Quarteto Be Jazz (espero que se escreva assim) actuou e encantou os presentes, que eram sobretudo os amigos. Eu estava lá. De sorriso nos lábios, e um orgulho desmesurado, aplaudi a minha amiga Águeda.


(Quarteto Be Jazz, no Cabana Bar)

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Thinking Blogger

Pensei muito antes de escrever este post (só por isso a Bell devia ser a eleita). Não sou fã deste tipo de desafios. Foi-me atribuído um prémio, que muito me congratula (preciso de mais 8 dias, pelo menos, de dieta para abater o peso causado pelo excesso de ego). Escolher os 5 blogues que mais me fazem pensar é uma tarefa impossível. O que é um blog que faça pensar? O que é um blog que não faça pensar?...

Todos os blogs que linkei nesta página são blogs que gosto de visitar, que leio com regularidade e que, obviamente, me fazem pensar. Eleger 5 seria demasiado complicado para mim. Não o conseguiria fazer de forma imparcial e, no entanto, só conheço, pessoalmente, 2 ou 3 pessoas.

Quando li a atribuição do prémio, e percebi que teria de escolher outros blogues, houve um nome que imediatamente me ocorreu: O complicómetro. Esse era o único que, sem sombra de dúvida, elegeria como o blog que mais me faz pensar. Não sei se é o que mais gosto, mas é o que mais gozo me tem dado ler. Estou certa que o autor, quando escreve, não lhe atribui a interpretação que faço ao lê-lo. É esse jogo que me atrai. Tal como o nome refere, o complicómetro é, na minha modesta opinião, um delicioso passeio pelos pensamentos e comportamentos que possuímos, assumimos e mostramos perante as mais elementares coisas que se nos deparam na vida. Ao invés de olharmos para elas com objectividade deixamos a nossa massa cinzenta fantasiar sobre o assunto. Delicioso. Não sei se o Luís o faz com essa intenção ou se é mesmo "complicadinho". Também não quero saber. Assim possa eu pensar sobre o assunto.

Estão todos nomeados.


(nota: Desculpem a ausência. Voltarei em breve com mais estórias.)

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Porque sim.

Porque amamos e nos concentra,



ou não...



Porque estudamos e aprendemos,



(até) no café,



ou não.



Porque podemos fazê-lo juntos,



em sociedade,




ou na intimidade,




Seja como for,


um livro, é sempre uma boa companhia.







*fotos surripiadas na net

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Palavras, ou pedaços delas



Hoje doem-me as palavras,
as que quero pronunciar
e as que digo sem querer.
Hoje doem-me os significados,
os que sei,
os que julgava saber
e os que recuso aprender.
Hoje dói-me a ponta da língua,
das palavras proferidas,
dos vocábulos assassinados.
Hoje dói-me a ponta dos dedos,
da escrita desenfreada
de um poema morto nas palavras
perdidas nos significados alterados.

Palavras eternas,
significados efémeros,
vocabulários distintos.

Hoje dói-me o verbo, a sentença, a promessa.
Hoje dói-me o que digo
mas, sobretudo, o que não sei dizer.




Bom fim-de-semana.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Luz [3]

Sentada na escada, ao lado do pombal, confidencia a Bia a falta que Francisco lhe faz.
- Se vais começar com essas coisas, abalo já daqui!
- Não... estava só a pensar alto. A verdade é que não consigo esquecê-lo, percebes?
- Ninguém te pede que o esqueças. Só queremos que sigas com a tua vida.
- Qual vida?...
- Bom! Começamos?...
- ...
- Anda! Vamos à cooperativa que eu preciso aviar-me.
Luz acompanha Bia mas não ouve uma palavra do que ela diz. E se Bia fala!... Já não sabe o que fazer para distrair Luz. Sente que o tempo da amiga corre ao acaso. Já não lhe pertence. Francisco levou consigo os desejos realizáveis que ela, ainda, podia ter. De pequenas e de grandes coisas. Só a imaginação de Luz não partiu com ele. Depois de uma vida inteira a versificar tudo o que de bom, ou mau, lhe acontecia, os poemas continuam a sair-lhe sem sequer se dar conta disso. Escreve-os mas já não os relê. Agora são diferentes. Traduzem uma dor que não quer sentir. Uma tristeza que não consegue esconder. Uma angústia permanente que quase a sufoca.

O teu rosto.
O meu olhar,
afogado em lágrimas sentidas.
A tua voz.
O meu grito,
insonoro e esmagado.
Os teus sentimentos vãos.
As minhas esperanças perdidas.


...


Bia deixa-se dormir. Já o sol vai alto quando se levanta.
- Bolas! A Luz já deve ter passado para ir buscar o pão.
Arranja-se rapidamente e sai com a mesma pressa de sempre. Não anda, corre. Mesmo quando tem vagar. A urgência, desta vez, acaba no último degrau que separa o seu terraço do dela. A casa absolutamente fechada de Luz apresenta-se a Bia como um mau presságio. Corre a buscar a chave e entra em casa da amiga com o coração na boca. Bia não precisa de ler os bilhetes espalhados pela casa para perceber o que está a acontecer. Em cima da cama, num aprumo imaculado, a mortalha. Desvairada ruma a casa de Manel Joaquim e, num só soluço, implora-lhe que vá ao Palacete buscar Luz.

Separados por um infortúnio, depois de uma vida inteira juntos, Luz e Francisco reencontram-se no dia do segundo aniversário da partida dele. No mesmo local.
Francisco partiu com 85 anos, Luz com 79.


Fim

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Luz [2]

Como quer que tenha sido, a morte de Francisco faz com que a Vila se una em torno daquele trágico “acidente”. O seu funeral é o mais concorrido de que há memória. Mórbidos, os locatários, querem ver o rosto contorcido da viúva, o corpo estraçalhado do defunto. Sem os desiludir, e sem ser preciso proferir as palavras que lhe queimam o peito, a figura de Luz, já de si franzina, agora disforme pela dor, pelo sofrimento, pela mágoa, pelo desgosto, pela embriaguez de lágrimas, chega para encher de pesar o espaço despido de velas, de incenso, de anjos, da sala onde se vela o corpo, em caixão fechado. O acto de Francisco nunca será perdoado pelo Deus católico. Provavelmente, nenhum Deus, de qualquer credo, receberá a sua alma. Todos, naquele espaço nu, sabem isso. Todos não. Luz não quer saber. Percorre, em pensamentos, a vida passada em conjunto. Deus não lhes deu filhos. Luz nunca lhe perdoou. Julga-se, agora, a ser castigada. Acredita nisso. Percorre os jardins do Palacete. Têm os dois vinte anos. Brincam como se tivessem dez. Estas imagens atenuam a fadiga estampada no seu rosto. Ama-o uma última vez. O poço... servido para pedir desejos, trocar juras, confidenciar segredos,... O poço... o sangue, a dor, o horror,... o poço... o Amor. O seu Amor. O Amor dele.
Quando os condes abandonaram o Palacete deixaram no poço a história das suas vidas. As histórias de todas as vidas das gentes da Terra. Deixaram a história do amor de Luz e de Francisco.
Luz chora sorrindo. Percebe a escolha. Não partiu sozinho.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Sleepy

Estado em que se encontra este blog...


segunda-feira, 26 de março de 2007

Luz [1]

Tantas foram as vezes que fez aquele caminho que quase podia dar nomes às pedras por onde passa. Hoje, no entanto, tudo lhe parece diferente. Não reconhece as árvores e o vento traz um odor diferente. Entardece. Sempre gostou do crepúsculo. Caminha sem pressa. Procura ocupar a mente mas o som dos passos, no caminho de terra batida, só lhe traz o vazio. Vazio de pensamentos. Vazio de emoções. Vazio. Só vazio. Tão vazio que se vê obrigado a forçar uma memória. O rosto. Não o dela. O olhar. Não o dela. A voz. Não a dela. Tanto tempo no consultório e só recorda uma frase: “O tumor é maligno”. A seguir a dor. A dor da certeza. A dor da dúvida. A dor. A sua dor. Não a dela. A dela não. A dela nunca. Não é só a dor. É o sofrimento. O seu. Não o dela. O dela não. O dela nunca. O sofrimento agora. O seu. O dela não. O dela nunca. Acelera o passo. Não tem pressa mas não se quer atrasar. Não o faz por si. Fá-lo por ela. Ela será ainda feliz. Ele já não. Já não pode. Já não quer. Já é tarde. Não se pode atrasar. Nunca se atrasou.
Determinado descalça-se. Arruma os sapatos. Direitos. Lado a lado. Sempre arrumou aprumadamente os sapatos depois de os descalçar. Hoje não é diferente. Depois de a beijar, pousa cuidadosamente a aliança na borda. Sobe com alguma dificuldade para cima desta. Observa o reflexo da sua imagem no fundo. Não pensa em nada. O vazio. Outra vez o vazio. Ele, o poço e o vazio. Ela. Quer pensar nela. O seu rosto. O seu olhar. A sua voz. É ela, a Luz. Também a sua luz. O vazio enche-se de medo. Enche-se de horror. Enche-se de dor. De medo. De horror. De dor. Nada. Outra vez nada. Finalmente o vazio.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Ele...

e eu... Nós!

sexta-feira, 16 de março de 2007

O Estimador

Provavelmente vou começar a postar com menos frequência. Valores mais altos se levantam.

Há uns anos atrás, eu perguntava: O que é a Tese?



Hoje pergunto: O que vou comer sem ela?



Fotos daqui.

segunda-feira, 12 de março de 2007

Passeio matinal

foto de PR


O sol quente da manhã convida-me a prolongar o passeio matinal para além do habitual. Há mais pessoas na rua. Talvez por ser fim-de-semana. Talvez por estar bom tempo. Talvez por se aproximar o Verão e as gordurinhas acumuladas nos últimos meses incomodarem, hoje mais que ontem, ao sobressaírem na camisola fina, vestida tendo em conta o dia ameno.
Os velhinhos são os mesmos. Sorrio-lhes. Retribuem com um “Bom dia, menina.”
Continuo a marcha com um desinteresse, aparente, ao movimento.

Observo o mar. Sempre lá, longe dos transeuntes, indiferente às mudanças sucessivas da paisagem nos últimos tempos. Descubro os surfistas. Pontos negros harmoniosamente envolvidos na espuma branca do mar. Será que a água está fria? Sou tentada a descer à praia. Verifico que uma qualquer maré viva levou consigo a escada de acesso. Fico presa no paredão. Não me apetece aventurar-me pelos enormes pedregulhos. Sento-me. Fecho os olhos. Inspiro o ar fresco. Sou invadida por uma enorme sensação de bem-estar.

Apetece-me, de repente, um café. Está na altura de regressar.



Citações:
(…)
olhar o céu e ver mais que azulado
esse ar que ainda respiro, esse ar imundo
por quantos que me ignoram respirado;

porque não espero, espero contentado.

(Jorge de Sena)

quinta-feira, 8 de março de 2007

8 de Março

foto de NRP

segunda-feira, 5 de março de 2007

O baú da memória [2] - (Des)Ilusões

São as pessoas que amamos que mais facilidade têm em desiludir-nos. É às pessoas que amamos que, com maior facilidade, desiludimos.

Só nos desilude quem nos cria ilusões. Só desiludimos a quem criamos ilusões.

Se a ilusão é uma coisa que não existe, porque nos desiludimos?

E a propósito de tudo isto e do post anterior, fui ao baú da memória buscar um livro que marcou a minha adolescência. Um livro sobre a capacidade que um homem tem em acreditar, em ter fé, que pode fazer o que quiser e ser o que quiser. Ilusões, de Richard Bach.

Citações:
"Todas as pessoas, todos os acontecimentos da tua vida estão lá porque tu os levaste para lá. O que decidires fazer com eles depende unicamente de ti." – Richard Bach

O baú da memória [1]

(Fri - Macau(1976))

Nos últimos tempos, e por razões várias, tenho tido reencontros comigo mesma. Não foram poucas as vezes que me cotejei em discussões familiares por não me lembrar deste ou daquele episódio. Achei que tinha criado, por defesa, um sistema de filtragem na minha mente para apagar o que, provavelmente, não seria absolutamente necessário para a minha sobrevivência. Há coisas de que nunca falo, há coisa de que não quero falar, há coisas que recordo vagamente e outras há que não recordo em absoluto.

O meu pai resolveu digitalizar toda a memória fotográfica da família. Presenteia-me, de quando em vez, via e-mail, com essas vivências esquecidas. Curiosamente sou assaltada por flashes de uma vida quase desconhecida, de tão perdida que estava no espaço da memória. Descobri que possuía um baú de memória do qual, por contingências da vida, tinha perdido a chave (ou o paradeiro do baú? …).

quinta-feira, 1 de março de 2007

Endividamento

Não sendo um tema novo é, sempre, nos tempos que correm, actual. Tenho-o mantido na gaveta, apesar de já o ter abordado noutros pedaços. Ontem á noite, depois de ler o post do meu amigo Nuno, do NUnoAR, apeteceu-me falar dele, do endividamento. Do meu, do teu, do nosso, do vosso, do deles. De todos. Somos, de facto, um país de endividados, de sobreendividados, de insolubilidade crónica.

Todos os dias e, de forma crescente, chegam novos casos ao Gabinete de Orientação ao Endividamento dos Consumidores (GOEC). Seria um bom sinal se, efectivamente, lá fossem para aquilo que o gabinete foi constituído, para a orientação (antes do…) ao endividamento. Mas não. Sendo este um país onde todos somos doutores, engenheiros e arquitectos, independentemente da instrução que tenhamos, para que nos havemos de informar se sabemos tudo?

Não sabemos fazer contas? Ora essa!... Já quando era pequena, ajudava a minha avó na mercearia, era eu que fazia a contabilidade do estabelecimento, agora não sei gerir a minha própria família?

É tão fácil obter dinheiro. Basta um telefonema e já está. Passados meia dúzia de meses, e quando já se está em fase de incumprimento, a culpa é do governo que não legisla o acesso ao crédito.

Só facilitismos, só facilitismos, e agora? Agora só ganho 500 euros por mês, posso lá pagar 450 de crédito!

É fundamental avaliar a vantagem, ou urgência, em antecipar o consumo através de um crédito sobre a realização de uma poupança para aquisição de determinado bem. Sobretudo é preciso educar financeiramente as famílias.

Enquanto não percebermos que a maior riqueza que podemos ter é aquela que a nossa instrução nos dá, não vamos longe. A outra, a riqueza económica, financeira, vem atrás com toda a certeza. Não tenho dúvidas disso.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Alegria

Já ouço gritos ao longe
Já diz a voz do amor
A alegria do corpo
O esquecimento da dor

Já os ventos recolheram
Já o verão se nos oferece
Quantos frutos quantas fontes
Mais o sol que nos aquece

Já colho jasmins e nardos
Já tenho colares de rosas
E danço no meio da estrada
As danças prodigiosas

Já os sorrisos se dão
Já se dão as voltas todas
Ó certeza das certezas
Ó alegria das bodas

José Saramago


Don’t worry – Be happy

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Tristeza

foto de NRP


No seu passeio matinal, à beira-mar, ao invés da descompressão habitual, o tédio da vida, a maceração física, a machucação psicológica, o aperto na garganta, a irresistível vontade de chorar. O som do mar, a luminosidade poética que acordou o dia, o sol de Inverno a acariciar-lhe o rosto e a lágrima indiscreta a emergir. Tristeza: tanta tristeza. Finalmente os soluços, o choro compulsivo.

Citações:
É bom sofrer, chorar: redime. (José Rodrigues Miguéis)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Leituras

Com a ruptura abrupta do meu outro espaço, relancei-me na leitura. Por vezes a azáfama do dia-a-dia não permite o relaxamento necessário para um encontro calmo com o livro. Opto, nessas circunstâncias, por uma leitura mais ligth. Foi o que fiz na semana passada. Cansada, triste, desanimada, numa incursão rápida ao CCB comprei, na Bertrand, Beijos de chocolate, de Alice Vaara, jornalista alemã. Detestei! Uma estória que nada me diz, de uma realidade que não é a minha, acompanhada por uma autêntica ausência de beleza literária. Mas quem sou eu para fazer juízos ou críticas sobre escritas alheias? Ninguém… (tristes 15€ gastos).
Mais descontraída, este fim-de-semana, iniciei o Cemitério de Pianos de José Luís Peixoto. Li, sofregamente, uma boa parte do livro. Lamentei que o meu corpo tivesse necessidades básicas, de saneamento, alimento e descanso. Adormeci naquela pintura escrita e sonhei poemas.


A luz da manhã não sente os vidros limpos da janela no momento em que os atravessa, pousando depois nas notas de piano que saem da telefonia e flutuam por todo o ar da cozinha. A luz da manhã, pousada nas notas de piano, detém-se, pontilhada, nos reflexos dos azulejos brancos da parede, nos cantos da mesa revestidos por fórmica, nas gotas de água que se suspendem no rebordo das panelas lavadas e viradas sobre o lava-loiças.

(José Luís Peixoto - Cemitério de Pianos - Bertrand Editora)

Recado

Se um dia descobrires este pedaço não te zangares, meu amor. Deixei-te levar um bocado de mim, por amor a ti. Deixa-me ter este pedaço, por amor a mim. Será este o meu maior segredo. E tu, meu amor, contas-me o teu?

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Pedaços de nós

Pedaços do que fui, pedaços do que sou, pedaços do que serei quando juntares, aos meus, um pedaço de ti.