quinta-feira, 12 de abril de 2007

Luz [2]

Como quer que tenha sido, a morte de Francisco faz com que a Vila se una em torno daquele trágico “acidente”. O seu funeral é o mais concorrido de que há memória. Mórbidos, os locatários, querem ver o rosto contorcido da viúva, o corpo estraçalhado do defunto. Sem os desiludir, e sem ser preciso proferir as palavras que lhe queimam o peito, a figura de Luz, já de si franzina, agora disforme pela dor, pelo sofrimento, pela mágoa, pelo desgosto, pela embriaguez de lágrimas, chega para encher de pesar o espaço despido de velas, de incenso, de anjos, da sala onde se vela o corpo, em caixão fechado. O acto de Francisco nunca será perdoado pelo Deus católico. Provavelmente, nenhum Deus, de qualquer credo, receberá a sua alma. Todos, naquele espaço nu, sabem isso. Todos não. Luz não quer saber. Percorre, em pensamentos, a vida passada em conjunto. Deus não lhes deu filhos. Luz nunca lhe perdoou. Julga-se, agora, a ser castigada. Acredita nisso. Percorre os jardins do Palacete. Têm os dois vinte anos. Brincam como se tivessem dez. Estas imagens atenuam a fadiga estampada no seu rosto. Ama-o uma última vez. O poço... servido para pedir desejos, trocar juras, confidenciar segredos,... O poço... o sangue, a dor, o horror,... o poço... o Amor. O seu Amor. O Amor dele.
Quando os condes abandonaram o Palacete deixaram no poço a história das suas vidas. As histórias de todas as vidas das gentes da Terra. Deixaram a história do amor de Luz e de Francisco.
Luz chora sorrindo. Percebe a escolha. Não partiu sozinho.

8 comentários:

Capitão-Mor disse...

Uma narrativa que nos deixa com um nó na garganta!

Alda Serras disse...

Triste...

Prof disse...

Partilho do sentimento do Capitão! Porém, lindo como tudo o que escreves. Espero que, no entanto, este conto não reflicta o teu estado de espírito.
Um grande beijinho!

Unknown disse...

Luz da Luz se apagou
O mundo perdeu sentido
Rodou e depois parou
Com o coração partido

Anónimo disse...

Estou a gostar de seguir este teu conto. :)
Beijinhos e boa semana.

LoiS disse...

Deixa a noite e abraça o sol. Faz um conto com os contos de vida e desliga para todo o sempre a morte.

Não te esqueças, e esta é só para ti, o 35 é resultado de várias combinações. Resultado de multiplicações e somas!

Aritméticas da vida!

Um beijo

CaCo disse...

É verdade! A história é triste. Mas é verdadeira e apeteceu-me contá-la. Vou postar o último capítulo antes que pensem que o meu próximo passo vai ser ver o fundo ao poço...

P.S. - As minhas neuras só duram um dia (quando não são só umas horas)

***

nsr disse...

O que vale é há sempre uma LUZ
Continua Caco. Fico à espera.
Beijo